11.5.07

Revolução ou Evolução na Comunicação?

Uma pergunta que sempre aparece para mim em meio a todas essas incontáveis discussões sobre comunicação é se vivemos um momento revolucionário no modo como se dão as relações entre os homens, ou se estamos passando por um período de mera evolução de nossas possibilidades comunicativas. A questão é indagar se, em meio a todos os discursos referentes ao fenômeno comunicacional atual, sejam eles apocalípticos ou integrados, testemunhamos um evento de mudanças qualitativas, isto é, rupturas estruturais, fundamentais no que diz respeito à comunicação e interação humana, ou se observamos apenas modificações meramente quantitativas. Mudamos a essência da maneira como nos comunicamos ou apenas ganhamos braços maiores? Nossos olhos e ouvidos agora recebem impressões de origens das mais longínquas. Que potencializamos nossos sentidos, isso não é novidade. Mas o que teria mudado, ou não, com essa potencialização, na essência do homem como produtor de linguagem?

Um computador conectado ao mundo, coisa ridiculamente comum hoje em dia, permite que um interlocutor se comunique em tempo real com quem quer que se localize em frente a uma outra cpu também conectada. Nesse caso podemos interagir com outros desses seres existentes magicamente a milhares e milhares de quilômetros. Mas a forma com que os dados sensíveis são recebidos pela nossa percepção para depois serem organizados pelo intelecto ainda é a mesma de muito tempo atrás. Se pensarmos assim, não parece tanto que as maravilhas das não tão novas, novas e novíssimas tecnologias da comunicação justifiquem aquele gozo tântrico do Pierre Lévy.

Desde que o homem separou a si mesmo da natureza ao ganhar a consciência da existência dele próprio, ele começou o interminável trabalho de representação da realidade (se não de toda a realidade, pelo menos da que ele conhece). Paralelamente, supomos que, ainda mesclada com toda a linguagem corporal, o homem começa a desenvolver os primeiros padrões lingüísticos na voz. Assim, temos dois campos de atuação que vão se desenvolver na história do homem ao mesmo tempo, com caminhos por vezes intercruzados e por outras vezes separados: a imagem e o discurso. E um terceiro caminho, a escrita, filha dos dois primeiros.

Com a escrita, o código verbal separa-se da linguagem corporal e torna-se puro, desenhado sobre um suporte. O verbo, que antes era etéreo, profaniza-se ganhando um espaço para habitar. Com a herança materna, a escrita pôde ser também uma imagem, o que permitiu que ela pudesse ser impressa em um suporte Com o pai, ela ganha a capacidade lingüística de expressar idéias e sentimentos através das convenções verbais.

A história do homem fez amplo uso dessa trindade santa. Mas a escrita teve um grande destaque como uma ferramenta de comunicação. Ela permitiu que as idéias e signos tivessem uma existência física, o que era uma grande vantagem sobre o discurso oral. Os signos lingüísticos puderam ser registrados o que facilitou sua manutenção na história e divulgação. Posteriormente, a invenção de Gutenberg potencializou o poder da escrita. A humanidade viu nascer o livro impresso, os jornais e todo o tipo de publicação possível com os tipos móveis. A escrita se tornou cada vez mais presente desde então.

O discurso oral precisou esperar sentado até a popularização do telefone, onde ele pôde ser utilizado como técnica de comunicação a distância. Posteriormente, aparece o rádio. A oralidade ganha, pela primeira vez, audiências massivas. O rádio, mesmo autoritário em sua relação “um para todos”, conquista lugar sagrado nas famílias dos existentes, monopolizando as conversas na hora de jantar, seja ele discursando para a nação, contando histórias de amor e ódio, ou narrando eventos esportivos.

A imagem demorou um pouco para ter esse papel de comunicação de massa. Desde as pinturas rupestres, ela passou pelo elitismo dos movimentos artísticos, pelas iluminuras dos livros medievais, pelos panoramas parisienses do século XIX, até, passando pelos cartazes impressos, chegar no daguerreótipo (e naquele outro que apareceu ao mesmo tempo, mas que ninguém nunca lembra). Surge então a fotografia, aquele “bicho do cão” que, nos dizeres do jornal chauvinista citado por Benjamin pretendia cometer o sacrilégio de tentar “fixar efêmeras imagens de espelho” de um homem feito à semelhança de Deus que, por serem a imagem Dele próprio, são impossíveis de serem fixadas por um mecanismo humano (LEIPZIGER ANZEIGER apud BENJAMIN).

Com esse mecanismo diabólico, a imagem alcança o poder de ser facilmente produzida e reproduzida para a contemplação da incontável (e contraditória) massa de indivíduos, fato que será ainda corroborado com o posterior surgimento do cinema e da TV.

Assim, chegamos ao contemporâneo computador. A bugiganga eletrônica que unificou os múltiplos tipos de imagem e som. Agora cabe a pergunta. O computador mudou em essência a maneira como se dá a comunicação entre os homens? A convergência entre todos os gêneros de suporte em uma só máquina nos traz uma ruptura com a nossa tradição de comunicação? Esta ruptura é algo que muda qualitativamente nosso modo de expressar idéias ou apenas possibilita que expressemos idéias para mais pessoas e mais rapidamente do que antes? O que estamos observando é o início de uma revolução da linguagem humana? O que temos hoje é a possibilidade de unirmos aspectos da interação face a face como, por exemplo, a linguagem corporal, com as possibilidades de comunicação à distância trazidas por tecnologias como a televisão e o rádio, mais a possibilidade de estabelecermos não uma emissão-recepção, mas uma comunicação em duas ou mais vias. Esse fato produzirá novas formas de interação?

Em essência, para nos comunicarmos, ainda nos utilizamos daqueles três elementos de origem antiqüíssima na história do homem. Em um primeiro momento não parece haver mudança fundamental na estrutura constitutiva daquela tríade. Mas as novas possibilidades nascidas no contemporâneo podem desencadear um momento de mudança estrutural das relações de comunicação. A própria linguagem corporal, pode reaparecer com o uso das webcams ligadas nos computadores conectados a internet, o que pode modificar significativamente a maneira como se dão as relações nesse contexto. O interlocutor, antes de aparecer na frente de sua câmera para outras pessoas, vai precisar se portar corretamente segundo as exigências da norma moral válida.

O computador também pode estimular a imagem como produtora de significados independente da [des]necessária legenda que tem a função de explicitar o conteúdo da figura. A possibilidade de trabalharmos com signos não lingüísticos e independentes de uma escrita, parece se aproximar. Se já possuímos um clichê que diz que o signo lingüístico não dá conta de toda a realidade, o que faz a filosofia se aproximar cada vez mais da literatura e da arte, se utilizando de metáforas e outros exemplos imagéticos para a expressão cada vez mais fiel das idéias e sensações, a imagem como linguagem independente seria uma solução.

Mas o caminho de uma linguagem imagética tão eficaz quanto a lingüística de fato é um tanto obscuro. Talvez o correto não seja separar as linguagens, mas utilizá-las todas conjuntamente. Como já falamos, o computador teve o papel de unificar algumas das múltiplas linguagens produzidas pelo homem em uma máquina apenas, permitindo que sejam utilizadas ao mesmo tempo, que se complementem. Se a revolução profetizada se baseia nessa capacidade do computador de se aproximar cada vez mais da riqueza da interação face a face, ainda tenho dúvidas se podemos chamar tudo isso de revolução. Mas se falamos em possibilidades radicalmente novas de interação, mesmo que ainda obscuras para nós, talvez possamos falar em reais possibilidades revolucionárias da linguagem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom seu artigo. Acho que você tem razão quando disse que ele está se aproximando do seu ideal. Pra mim já está ótimo. Parece um professor falando.