15.2.08

Vidas Secas, Corações Úmidos; ou sobre Como é Possível Encontrar Pasto numa Gamela Vazia.

Seco. Este é o espírito do autor e potencial narrador de Vidas Secas. Objetivo. Tão objetivo quanto Fabiano e Sinhá Vitória em suas toscas tentativas de conversa. Tão objetivo que fragmenta a história de uma família em pedaços unidos em um livro de mais ou menos cem páginas. Tão objetivo que sequer foi importante declarar o nome dos filhos do casal.

Graciliano Ramos conta a história de uma família seca em um lugar inóspito de forma fecunda. Toda a secura do espaço físico nos é passada através dos pensamentos semi-áridos, brutos, calejados de Fabiano. As suas tensas tentativas de expressão problematizam o homem como animal. O próprio Fabiano nos remete às suas reflexões sobre ele ser animal ou homem. Graciliano Ramos refere-se a essa questão ao humanizar mais a cachorra Baleia do que qualquer outra personagem. Depois de Baleia só mesmo os meninos são mais humanos, respectivamente o mais novo e o mais velho. Ainda não cresceram o suficiente para se tornarem tão ressecados quanto o pai.

Vidas Secas nos mostra uma realidade miserável sem apelar descaradamente para o sentimental. No lugar de acontecimentos típicos de um sensacionalismo superficial, de uma idealização exagerada, o livro nos oferece uma seqüência de rotinas. Rotinas fatigantes, cansativas, comuns no dia a dia do retirante. Rotinas secas, mas às vezes ainda assim recheada de reflexões objetivas, simples e enriquecedoras para o leitor.

Apaixonantes são as personagens principais do livro. Pessoas simples, dignas e humanas de coração. Apaixonantes são os desejos utópicos de Fabiano e Sinhá Vitória. Mesmo quando esta deseja uma cama de couro ou um vestido vermelho para exibir entre as outras “cablocas”. Apaixonantes pela simplicidade e pela ingenuidade, pela força e pela esperança que não morre e que os faz viver.

Um livro que ensina em poucas palavras que é possível superar o lógico, encontrando a umidade na secura, a esperança no vazio. E que a capacidade de pensar logicamente é tão humana quanto a habilidade de superá-la.

Um comentário:

Sabrina disse...

Linda resenha. Singela, mas capta bem a obra. Devia se permitir mais ler literatura.