12.12.07

Sobre o Singular e a Verdade em Walter Benjamin.

O pensamento de Walter Benjamin é permeado da finalidade transformadora de agir no mundo prático. Para ele, não faz sentido que a filosofia apenas se preocupe com o mero abstrair de seus conceitos, mas que ela trabalhe para a transformação prática da realidade, dando sentido ao nosso milenar esforço intelectual. Aqui podemos ver claramente sua filiação a Marx, mas com a diferença de que Benjamin não admite a idéia de haver a figura de uma liderança que guie a massa proletária para a revolução, nem muito menos a idéia, na esteira do iluminismo, de uma utopia forjada pelo intelectual que realize o τέλος histórico. Para o nosso autor, cada homem deve aprender a pensar por si próprio. A relação entre os homens e as épocas é monadológica, pois a mônada não tendo janelas, possui dentro de si todas as possibilidades de ser líder de si mesma. A revolução, em Benjamin, é uma categoria do ser e não apenas um conceito sóciopolítico. Ela pode ser encontrada dentro de cada um de nós. Dessa forma, podemos ver a proximidade imanente da filosofia benjaminiana à área ética.

No prefácio de seu texto Origem do Drama Barroco Alemao, Benjamin faz uma diferenciação entre o conceito de saber e o conceito de verdade. O primeiro, pode ser possuído pelo homem. O segundo, “esquiva-se a qualquer tipo de projeção no reino do saber” (BENJAMIN, 1989, p: 51). Assim, não é possível apoderar-se da verdade. Tudo o que nós tomamos posse é apenas saber. E se tentamos nos apossar dele, é porque temos a intenção de possuí-lo. Assim, entramos na esfera da intencionalidade. Para Benjamin, o saber é intenção, quando ele se transforma em técnica a serviço das massas. Isso não significa que Benjamin assuma uma postura de rejeição diante da ciência. Esta, é para ele uma das interfaces do conhecimento. Entretanto, a filosofia não pode ser medida more geometrico. A ciência busca as suas respostas sempre com base em alguma intenção, o que a caracteriza como saber, e não como verdade. Com relação a esta última, a verdade, o processo não acontece da mesma maneira. A verdade não entra em uma relação intencional. Ela aparece nas imagens dialéticas. Assim “a doutrina filosófica funda-se na codificação histórica”, pois a história antes de ser uma ciência é feita de reminiscências (BENJAMIN, 1989, p: 49). Para Benjamin a verdade se auto-apresenta. No exato momento em que tentamos procurar a verdade, nós nos situamos dentro da esfera da intencionalidade. E como somente o saber é intenção, tudo o que conseguimos conquistar é saber, não verdade. “A verdade é a morte da intenção” (BENJAMIN, 1989, p: 58). Por isso não é possível procurar a verdade, pois, no momento em que intencionamos buscá-la, entramos na dimensão intencional, não podendo mais achá-la no lugar onde procurávamos. Com relação às questões da verdade, Benjamin sugere o método da contemplação filosófica própria do tratado medieval da escolástica de Santo Tomás de Aquino a Guilherme de Ockham.

Mas como a verdade poderia se manifestar sendo completamente isenta de qualquer intencionalidade? Assim, chegamos ao conceito de revelação. Benjamin coloca que a verdade se dá como revelação. Ela surge em uma iluminação profana do pensamento. E é exatamente na obra de arte que o autor encontra o conteúdo da verdade. Porque só Eros pode testemunhar que “a verdade não é desnudamento, que aniquila o segredo, mas revelação, que lhe faz justiça” (BENJAMIN, 1989, p: 53). É aqui que entra a dimensão de verdade da obra de arte. O revelar-se da verdade na obra de arte corresponde exatamente à eliminação de toda e qualquer intenção. Não podemos nos apropriar do segredo da verdade, mas deixar que ela se auto-apresente em seu revelar. É na fugidia imagem dialética que se da o aparecimento da verdade. Tal qual um relâmpago, ela aparece como fulguração (BENJAMIN, 1987). Chega-se então à dimensão do conteúdo de verdade da obra de arte, quando os seus conteúdos factuais de valor histórico desaparecem, isto é, no momento em que a obra de arte se transforma em ruína, em fragmento significativo, descoberto pela crítica. Assim surge a discussão sobre a alegoria. Ao contrário do símbolo, que cristaliza o sentido, a alegoria apresenta uma pluralidade de significações.

O termo alegoria, segundo Sergio Paulo Rouanet afirma na apresentação de sua tradução de Origem do Drama Barroco Alemão, deriva etimologicamente de allos, outro, e agoreuein, falar na ágora. Dessa forma, em uma linguagem literal, falar alegoricamente significa dizer uma coisa para significar outra. A alegoria possui uma significação plurívoca, onde o outro dito por ela não transparece, não se mostra de forma explícita. Ela constitui o jogo entre o desvelar e o encobrir. Ela é uma figura própria para o nosso tempo de indefinição e de uma complexidade de referenciais. Dessa forma ela se insurge contra o símbolo, contra o significado unívoco e fossilizado pela convenção. Assim Benjamin desenvolve o conceito de uma contramão histórica que deverá questionar a metáfora da rua de mão única da civilização no conceito de história oficial. No símbolo, não há a tentativa de dizer o outro, mas de dizer exatamente o que o símbolo mesmo significa, o que caracteriza a oposição à alegoria. Benjamin descobre então que a alegoria não é convenção da expressão, mas expressão da convenção. Ela sintetiza as imagens do mundo (Weltbilder).

Se a alegoria comporta uma multiplicidade de significados que exatamente por serem múltiplos dizem o outro que não a convenção, podemos dizer que a alegoria acaba por se afastar da esfera da intenção. E dessa maneira, a verdade pode se auto-apresentar em uma revelação que se dá não mais no plano sagrado, mas no profano.
Deixamos claro que a verdade não pode ser possuída por nós através de nosso conhecimento e ciência. Estudando o surrealismo, Benjamin observa que ela se manifesta no inconsciente. Concluímos então que, se não podemos apreendê-la, da maneira como fazemos a um objeto, tudo o que podemos fazer é deixar que ela, como “equilíbrio tonal das essências”, se apresente através dessas idéias. Aqui nos deparamos com a questão da apresentação da idéia.
Para Benjamin, o more geometrico da matemática nos demonstra que para chegarmos ao conhecimento genuíno, devemos eliminar totalmente qualquer forma de representação. Mas, no momento em que esta ciência busca a eliminação, ela renuncia exatamente à esfera da verdade que é visada pela linguagem. E é nesta mesma esfera da verdade em que a linguagem se situa, onde se dá a verdadeira forma da filosofia, que, para ser fiel à lei de sua forma, deve ser representação da verdade, e não guia para o conhecimento (BENJAMIN, 1989).
Assim, Benjamin critica o método das ciências particulares de investigação. “Para que a verdade seja representada em sua unidade e em sua singularidade, a coerência dedutiva da ciência, exaustiva e sem lacunas, não é de nenhum modo necessária. (...) Essa sistematicidade fechada não tem mais a ver com a verdade que qualquer outra forma de representação” (BENJAMIN, 1989, p: 55).

A pretensão do saber particular de alcançar o todo no sentido do universal, excessivo não faz sentido. O ser indefinível da verdade não pode ser alcançado pela dedução exaustiva e sem lacunas do sistema, porque a dedução coloca as idéias num “continuum pseudológico”. Este não é o caminho para se chegar à totalidade. Assim, entendemos a citação de Goethe que Benjamin coloca como epígrafe no início de sua obra. “Não devemos procurar essa totalidade no universal, no excessivo, pois assim como a arte se manifesta sempre, como um todo, em cada obra individual, assim a ciência deveria manifestar-se, sempre, em cada objeto estudado” (GOETHE apud BENJAMIN, 1989, p: 49). Aqui está a pista que nos diz onde podemos procurar a totalidade: na unidade do singular.

Não podemos alcançar o todo da verdade, mas podemos procurar na unidade do singular, a maneira de contemplarmos a totalidade. Assim, chegamos à idéia de totalidade construída à maneira de um mosaico medieval, a partir da justaposição de elementos isolados e heterogêneos. Esse é um conceito que aparece no Trauerspiel. E cada um, à sua própria maneira (pois cada fragmento do todo é heterogêneo) poderá atuar para esse fim. Para Benjamin, o conteúdo do gênero humano não é massa homogênea. Existe uma heterogeneidade imanente nos homens particulares. Assim como o mosaico medieval, cada fragmento é indispensável no todo. Aqui a teoria benjaminiana nos traz, então, uma implicação ética: a valorização das diferenças. Pois são as diferenças dos indivíduos que vão formar a totalidade.

Cada indivíduo, à sua maneira, segundo suas próprias experiências, tem todas as condições de experienciar a revelação da verdade. Se a verdade não pode ser transmitida, chega-se a conclusão de que ninguém pode se dar o direito de deter a verdade absoluta. Assim, essa idéia nos leva a exercitar a experiência a partir de uma consciência histórica e da responsabilidade de cada um, para transformar a “dinâmica histórica” em ação política.
Se todos têm o poder de realizar seu próprio caminho em direção às suas próprias experiências (pois somos mônadas) e nenhum de nós pode deter a verdade de sua experiência como a verdade absoluta e objetiva, podemos concluir que todos nós temos o mesmo poder de agir sobre o mundo. Assim, vemos aqui uma importante implicação política, uma idéia que desde os primórdios da filosofia vem se desenvolvendo na história do pensamento humano: o conceito de democracia.

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